quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Flashbacks of a fool

O que dói mais: assistir bem diante dos seus olhos seus sonhos se desfazendo como nuvens ou o tilintar agudo dos cacos cristalinos que caem de uma imagem de alguém que vc construiu com tanto esmero?

Talvez hoje o barulho cortante dos cacos esteja doendo um pouco mais. Talvez seja a visão dos meus olhos refletidos em cada pedacinho deles caídos ao chão. Talvez pq o reflexo que eu vejo hoje do que eu criei é de um espelho, completamente despedaçado, partido em mil mini eus que, juntos, nunca hão de formar você. Nem o você que eu criei na minha cabeça, menos ainda o que vc é. Sempre foi um espelho, sempre foi o olhar pra vc e me ver refletida de um jeito muito mais bonito, enfeitado por todas as minhas tantas idealizações. Sempre foi o derramar nesse espelho todas as minhas expectativas de que era possível ser feliz, amada, desejada, vista, compreendida e realizada, escoltada pela vaidade e amparada pelo meu salvador, que me salvaria ironicamente de mim mesma. 

Pois bem. Essa imagem-espelho não suportou todo esse peso, não suportou ser algo que na verdade nunca foi. O Real sempre se sobressai à fantasia, uma hora ou outra. E se deparar com o Real é sempre uma experiência devastadora. Daí as brumas dos sonhos se desfazerem, daí o espelho cristalino se quebrar em mil cristais. Nada supera o Real. Ele corta, ele fere as nossas construções tão frágeis, ele rasga cortes profundos e irreversíveis que servem para nos lembrar: olha, aquilo tudo nunca existiu. O que existe é isso aqui. E isso é muito diferente do que o que vc pintou. Conforme-se. Sinta a dor. Olhe para o que vc achou que era eu e era vc. Olhe para o que é. Acabou.

Mas o que isso significa? Que o Real, portanto, não é belo? Não tem alguma doçura ou mesmo um amargor que agrada? Ele é simplesmente o que é, e seu charme e graça residem exatamente na ideia do "no more games", do "numa moldura clara e simples sou aquilo que se vê." É procurar a beleza no que já existe. É contemplar o caos e se entregar à ele. Desistir do controle. É viver sem garantias porque elas não existem. É recomeçar sem brumas, sem espelho e sem vendas. Botar a cara pra fora da caverna e não viver se contentando só com as sombras.

Isso é viver. O resto foi só ensaio...