domingo, 1 de agosto de 2010

Mais sobre uma vida que não é a minha

Eu agüentei uma noite inteira de Smiths. No epicentro da felicidade enlatada eu consegui agüentar a discografia inteira dos Smiths. Eu achei que estava segura no meio de todo mundo pronto, todos os casaizinhos pré-fabricados, modelos, casamentos perfeitos, mulheres de um homem só. Meninas para um lado, meninos para o outro. E meninas fumantes, onde ficam? Mulheres que acham que são meninas, que se escondem atrás de um cabelo loiro e um relógio da Diesel e que botam um sorriso no rosto enquanto os Smiths insistem em trazer um passado para aquele lugar que não lhe cabe... Pra onde é que elas vão? Pro inferno. Pra um inferno chamado Memória. Sim, é lá que elas se escondem. Ela. Todo seu lápis de olho, seu perfume comprado na Argentina, sua bolsa da Puma, sua escova no cabelo e seu piercing do nariz não são suficientes pra se impor em meio à felicidade enlatada. Não bastam pra que ela se contamine por aquilo tudo, pela perfeição fake dos casaizinhos perfeitos. Maridos que tomam vinho e arrotam arrogância em meio daquele monte de machos, muito machos, que se escondem atrás de sua taça e seu trabalho maçante e imbecil, mas muito bem remunerado, obrigado. Mulheres que fingem que bebem, bebericam espumantes enquanto conversam sobre filhos, falta de vontade de fazer sexo com os maridos mesmo sendo muito bem casadas e os amando muito, claro, e fantasias com estranhos inteligentes, bonitos e que lhes dão o mínimo de atenção. O reino perfeito da hipocrisia.

– Me conta como é...
– Como é o que?
– Você sabe, você é a única de nós que sabe...
– Sabe o que, meu Deus?
– Como é ter outro homem...
– Ah...

E no som começam uns acordes de guitarra familiares, de pouco tempo, mas que são suficientes pra destruir a máscara que ela custou a vestir pra poder estar a ali. “Good time for a change...” Socorro. Nem são os Smiths mais, eu venci a discografia inteira!... Onde diabos arrumaram uma versão dessa música... Socorro. A máscara cai antes da resposta da pergunta. É de papel, molhou com as lágrimas que insistem em brotar naquela simulação de paraíso. E se desfez...

– Ai, amiga... Ta chorando? Que foi?
– É a música.
– Que música é essa, gente, não sei quem ta cantando isso...
– Nem eu, sei que é uma música dos Smiths...
– Ai, amiga, não fica assim...

E o marido se aproxima.
– Amor, tomei sua água toda. Pega outra pra mim? (virando o rosto já borrado do lápis de olho que escorreu com as lágrimas vindas do inferno) E ele se afasta.

– Então, quer mesmo saber?
– O que, amiga?
– Como é?
– É o que?
– Ter tido outro homem...
– Ah...
– É assim.

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