segunda-feira, 20 de junho de 2011

No fundo, o raso.

Eu tenho quase 30 anos, deveria estar trabalhando e cuidando da minha vida. Deveria estar pensando em ser mãe, em ser uma boa esposa, em cuidar da casa e do meu marido. Deveria estar preocupada em construir um bom futuro para mim e minha família. Deveria ter um carteira de motorista, um carro, independência. Deveria estar me perguntando qual o cardápio de amanhã no almoço, quantas calorias ingeri hoje e em quando começar a tomar o meu remédio pra curar a gastrite. Deveria. E dever é uma palavra tão feia e que eu nunca gostei. Deve ser por isso que eu devo, não nego e faço quando puder. Porque agora eu ainda estou muito ocupada pensando em você. Perdendo meu tempo que eu deveria estar gastando com todas essas coisas amarrada num passado que já não existe mais. Como se isso fosse a única coisa que importasse. Que vida triste uma vida presa a algo que não existe mais. E a minha vida é essa, assim, triste, quando penso em você. E eu penso muitas vezes ainda. Muito mais do que deveria.

Eu me coço pra saber aonde você está, o que está fazendo, o que está pensando, se está dormindo, comendo, sonhando, fudendo ou simplesmente pensando, como eu, porque diabos eu ainda não te esqueci mesmo querendo esquecer e mesmo já tendo esquecido um monte já do que era pra lembrar, mas me agarrando ao osso como se só isso tivesse importância para o que eu sou. Como se só isso fizesse parte de mim, de verdade, de mim de verdade, do que eu sou de verdade, no fundo, não no raso. Porque no raso eu já te esqueci, eu tenho uma vida linda, graças a Deus, um marido perfeito, um apartamento perfeito, uma vida perfeita e gracinha, enlatada como uma sopa Campbell's, tão artificial como uma. No raso eu me fantasio de fancha modernosa, pinto o cabelo de loiro, pulo na boate enchendo a cara de vodka importada no meio de um monte de pirralho que nem me conhece e nem sabe nada da minha vida. E o mais engraçado nem é isso. O mais engraçado tá mesmo no fundo.

Porque no fundo o que eu queria mesmo era ter uma casinha com a nossa camona, trabalhar pra pagar as contas com você, comprar o nosso carro, fazer as nossas viagens, mesmo que pra fazenda da amiga, mesmo que pro apartamento de praia do tio, mas nossas, tudo nosso. Nossos sonhos, nossas brigas, nossas pazes, nossos gritos, nossos risos, nossas coisas, nossas músicas, nossos filmes, nossos filhos, nossa maturidade, nossa velhice. Nosso amor.

É uma pena que, no fundo, você, eu e todo mundo viva só no raso. Só no raso...

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